STF avança na interpretação da prisão temporária

FONTE: O GLOBO

STF avança na interpretação da prisão temporária

25/02/2022 • 00:01

Por Alamiro Velludo* e Amanda Bessoni**

Neste mês, o Supremo Tribunal Federal deu um passo fundamental em direção à melhor racionalização e ao aprimoramento do sistema cautelar de prisões. Ao julgar as Ações Diretas de Inconstitucionalidade 3360 e 4109, o Plenário fixou requisitos para a decretação da prisão temporária, que tem suas regras estabelecidas na Lei n° 7.960/89.
 
A prisão temporária é uma medida cautelar cabível durante o curso do inquérito policial, ou seja, seu pressuposto é a imprescindibilidade da custódia do investigado pela prática de determinados crimes. O fato de essa espécie de prisão ser de prazo determinado (cinco dias, em crimes comuns; 30 dias, nos crimes hediondos, prorrogáveis por iguais períodos em casos de “extrema e comprovada necessidade”) pode levar mais facilmente à conclusão de que seus requisitos seriam menos rígidos, já que bastaria uma avaliação genérica de necessidade para o regular desenvolvimento das investigações dos crimes relacionados pela lei, tidos como de maior gravidade.
 
À prisão temporária se aplicam as regras gerais da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória, notadamente o capítulo I do título IX do Código de Processo Penal (CPP). Assim, incidem sobre essa modalidade cautelar os pressupostos de necessidade e adequação descritos no artigo 282 do CPP, bem como, fundamentalmente, o caráter de excepcionalidade que devem possuir as medidas cautelares pessoais.
 
Não foi outro o direcionamento adotado pelo STF na decisão, diante dos cinco requisitos fixados que, cumulativamente, autorizam a decretação da prisão temporária:

1) imprescindibilidade para as investigações do inquérito policial, verificada a partir de elementos concretos, vedada sua utilização como prisão para “averiguações” ou motivada apenas pelo fato de o investigado não ter residência fixa;


2) existência de fundadas razões de autoria ou participação nos crimes relacionados no artigo 1º, inciso III, da Lei n° 7.960/89, vedada a analogia ou interpretação extensiva (a corroborar a natureza taxativa daquele rol);


3) justificação mediante fatos novos ou contemporâneos;


4) adequação à gravidade concreta do delito, às circunstâncias do fato e condições pessoais do investigado;


5) insuficiência das medidas cautelares diversas da prisão, previstas nos artigos 319 e 320 do CPP.
 
Com o posicionamento exposto no voto do ministro Edson Fachin, a Corte fez valer a regra geral, ainda em vigor, de que o réu deve aguardar solto o seu processamento. Embora algumas dessas diretrizes já pudessem ser extraídas do conteúdo da Lei n° 7.960/89, como a exigência de que elementos concretos demonstrem a imprescindibilidade da prisão para as investigações, é elogiável o esclarecimento dos requisitos presentes naquela lei, sobretudo diante de um cenário em que 30,75% da população carcerária é formada por presos provisórios, conforme o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias.
 
Um ponto de destaque é a necessidade de justificar a prisão temporária com base em fatos novos ou contemporâneos, requisito que foi expressamente incluído nas regras da prisão preventiva pela Lei n° 13.964/2019, a corroborar a exigência de que a liberdade do agente represente algum perigo concreto.
 
Também é importante a conclusão do tribunal de que a ausência de residência fixa, isoladamente, não é motivo idôneo para a decretação da prisão temporária, já que representa uma discriminação contra pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social. Portanto, não se admite a decretação da prisão temporária somente com base nos incisos II e III do artigo 1º da Lei n° 7.960/89.
 
Por fim, os ministros do STF rejeitaram a interpretação de que o magistrado seria obrigado a decretar a prisão temporária diante de representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, adequando o artigo 2º, caput, da Lei n° 7.960/89 à Constituição Federal e ao CPP.
 
Em síntese, a exemplar decisão certamente servirá para evitar prisões temporárias automáticas e determinadas para meras “averiguações”, mesmo quando ausentes o periculum libertatis (perigo gerado pelo estado de liberdade) e o fumus comissi delicti ( os requisitos para a decretação da prisão), o que afetaria o princípio da culpabilidade e o direito constitucional à não autoincriminação.
 
*Professor titular do Departamento de Direito Penal, Medicina Forense e Criminologia da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, é advogado criminalista e sócio de AVSN Advogados

**Doutoranda em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, é advogada criminalista do AVSN Advogados

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