A nova era do estelionato: as fraudes digitais e o posicionamento legislativo sobre o tema

Artigo publicado no Estadão, assinado pelo Dr. Fabrício Reis Costa, bacharel e mestrando em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

A nova era do estelionato: as fraudes digitais e o posicionamento legislativo sobre o tema

Fabrício Reis Costa*

11 de julho de 2022

Fabrício Reis Costa. FOTO: DIVULGAÇÃO

No último dia 28 de junho, foi publicado o Anuário Brasileiro de Segurança Pública [1], que compila “informações fornecidas pelas secretarias de segurança pública estaduais, pelas polícias civis, militares e federal, entre outras fontes oficiais da Segurança Pública”. Trata-se de, nas palavras do próprio órgão produtor – Fórum Brasileiro de Segurança Pública – de uma “ferramenta importante para a promoção da transparência e da prestação de contas na área, contribuindo para a melhoria da qualidade dos dados” [2].

Uma das novidades – apesar de não se revelar como surpresa – diz respeito ao aumento de crimes cometidos por meio digital, notadamente no que se refere ao delito de estelionato.

O estudo apontou uma variação percentual positiva de 497,5% entre o número de estelionatos cometidos por meio eletrônico no ano de 2018 e os perpetrados no ano de 2021. A taxa de variação positiva para o mesmo período para o estelionato cometido sem o apoio de meios tecnológicos foi de 179,9%. Em números absolutos, para os 7.591 estelionatos cometidos por meios eletrônicos no ano de 2018, foram identificados 60.590 no ano de 2021.

Diz-se, nas linhas acima, que tais dados não revelariam grande surpresa. Isso se justifica na medida em que o aumento observado nos anos anteriores foi ensejador, por exemplo, de medidas como a edição da Lei nº 14.155/2021, que alterou o Código Penal para tornar mais graves (leia-se aumentar as penas cominadas) os crimes de violação de dispositivo informático, furto e estelionato cometidos de forma eletrônica ou pela internet.

Novos exemplos desta preocupação legislativa são os Projetos de Lei nº 970/2022 e 1467/2022, que, respectivamente, preveem o aumento de pena para o crime de extorsão quando a vantagem delituosa é obtida por meio de PIX, bem como o aumento de pena para os crimes de furto de “smartphones e outros aparelhos eletrônicos que possibilitem o acesso à internet e que sejam capazes de armazenar dados pessoais, notadamente os bancários e financeiros”.

Ocorre, no entanto, que esta política criminal formuladora dos projetos de lei acima mencionados pode ser chamada de inócua ou até populista, uma vez que não se vislumbra correlação entre o aumento das penas e a efetiva diminuição do cometimento dos crimes. Tal fato não é novidade.

Mais que isso, lembrando-se de passagem de uma crônica machadiana [3], aponta-se a importância de lembrar que:

“Os crimes nascem, vivem e morrem como as outras criaturas. Matar, que é ainda hoje uma bela ação nas sociedades bárbaras, é um grande crime nas sociedades polidas. Furtar pode não ser punido em todos os casos; mas em muitos o é. [Trata-se do exemplo anedótico de] um sujeito que, com o pretexto (aliás honesto) de estar chovendo, levou um guarda-chuva que vira à porta de uma loja; o júri provou-lhe que a propriedade é coisa sagrada, ao menos, sob a forma de um guarda-chuva e condenou-o não sei a quantos meses de prisão.”

Em outras palavras, o crime é, de fato, uma criação humana e não um fenômeno naturalístico. Desta forma, o valor dos smartphones e/ou a reprovabilidade da fraude perpetrada por meio eletrônico, nos exemplos acima expostos, só aumentaram, pois buscou o legislador dar ares de segurança a partir de uma falácia, isto é, o aumento da pena.

De modo a corroborar com tal entendimento, expõe-se trecho de artigo veiculado na Conjur, de autoria de Renato de Mello Jorge Silveira em 04/07/2022, ao afirmar que “Muito frequente é a afirmativa de que o Direito Penal deve ser visto como a ultima ratio do sistema repressivo. Aqui, confundem-se, frequentemente, leituras com vieses mais ou menos duros. Existem, por certo, aqueles para quem o Direito Penal pode ser resposta para tudo, enquanto, outros tantos, assumem por verdade que a quadra criminal não dispõe dos poderes que tanto lhe é atribuída.” [4]

De início, é possível dizer que as inovações tecnológicas trouxeram consigo novas modalidades de imposição da fraude do estelionato. Há muito se escreve sobre o modo com que a globalização imprime mudança de um Direito Penal, outrora mais retribucionista, que cuidava dos fatos posteriores ao delito, para um Direito Penal preventivo, que busca evitar a ocorrência do dano. Essa nova agenda positiva do Direito Penal veio, até o presente momento, para fazer com que os clássicos que repensem as necessidades e aplicações ao Direito Penal [5].

Não se pode esquecer, no entanto, que grande parte deste aumento do número de delitos cometidos por meios tecnológicos ou informáticos estavam escondidos nas cifras ocultas dos registros policiais antigos. Dado que um estelionato era considerado simples – para fins de registros – até 2010, por exemplo, já em 2021, com as mudanças do Código Penal, tem-se uma mudança na capitulação dos registros e, por consequência, o observado boom estatístico.

Em resumo, não se discorda ou se duvida do real aumento de cometimento do estelionato por meios eletrônicos, uma vez que as novas tecnologias propiciam esta possibilidade. Resta às pessoas, instituições financeiras e controladoras de dados, chamadas Big Techs, desenvolverem meios garantidores aptos a inibir estas novas modalidade criminosas. É dizer, no lugar de se apenar mais gravemente o furtador de um smartphone – por exemplo –, espera-se que os aplicativos bancários tenham novas certificações de segurança para que aquele que estiver na posse ilegítima do aparelho não consiga realizar transações financeiras.

NOTAS:

[1] Disponível em https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/ (Acesso em 28/06/2022).

[2] Disponível em https://forumseguranca.org.br/ (Acesso em 28/06/2022)

[3] ASSIS, Machado de. A Semana – crônicas (1892-1893). Edição, introdução e notas de John Gledson. São Paulo: Hucitec, 1996.

[4] SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. A fronteiro final e penal das criptomoedas. Disponível em 04/07/2022:

[5] ACHENBACH, Hans. O Movimento de Reforma do Direito Penal Econômico – uma retrospectiva. In Direito Penal Econômico: Estudos em homenagem aos 75 anos do Professor Klaus Tiedmann. Trad. Alexis Brito. Org. Eduardo Saad-Diniz e outros, São Paulo, Ed. Liberars, 2013, p. 35 e 36.

*Fabrício Reis Costa, bacharel e mestrando em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogado no escritório Alamiro Velludo Salvador Netto Advogados Associados.

https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/a-nova-era-do-estelionato-as-fraudes-digitais-e-o-posicionamento-legislativo-sobre-o-tema/