O que leva boleiros como Daniel Alves a se envolver em crimes

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16/02/2023

Denúncia gravíssima de estupro abre debate sobre limites, protocolos e punições

Por Luiz Felipe Castro

(Foto: Pedro Salado/Quality Sport Images/Getty Images)

Daniel Alves
Ano: 2022
Acusação: agressão sexual
Status: preso preventivamente

O jogador de 39 anos foi acusado por uma mulher de 23 de tê-la agredido e estuprado no banheiro de uma casa noturna de Barcelona em 30 de dezembro de 2022. O atleta deu três versões diferentes e contraditórias antes de ser detido sem a possibilidade de fiança e teve seu contrato com o Pumas, do México, imediatamente rescindido. Ele alega que o sexo foi consensual.

Assim como a maioria dos atuais pop stars da bola, Daniel Alves, 39 anos, tem o corpo coberto por tatuagens. São dezenas de traçados dos mais variados tipos e temáticas: Jesus Cristo, aros olímpicos, uma gaiola, uma rosa e até o próprio nome, imenso, cravado no peito. Como nota de ironia, foi o mais escondido dos desenhos que contribuiu para complicar a situação na qual ele próprio se instalou e que subitamente o transformou de atleta admirado no mundo todo em um homem suspeito de ter cometido estupro, um dos mais execráveis crimes perpetrados contra as mulheres.

Robinho
Ano: 2013
Acusação: estupro coletivo
Status: condenado

Em 2022, foi condenado em última instância pela Justiça italiana a nove anos de prisão por participação em um estupro contra uma jovem albanesa em uma casa noturna de Milão. Ele diz que os atos foram consensuais e segue vivendo em liberdade em Santos (SP), pois o Brasil não extradita seus cidadãos.

Ele está preso na penitenciária Brians 2, na Catalunha, acusado de ter violentado uma mulher de 23 anos em uma casa noturna de Barcelona, a badalada boate Sutton. Em seu depoimento, Alves se complicou ao falar de uma discreta meia-lua tatuada entre sua cintura e a região genital citada pela suposta vítima. O futebolista negou inicialmente ter tido relação sexual com a moça. Mas ela descreveu com detalhes a marca na pele, entre o abdome e o pênis, o que só poderia ter acontecido se o brasileiro estivesse sem roupa. Foi a primeira das mentiras e contradições.

Neymar
Anos: 2016 e 2019
Acusações: assédio sexual e estupro
Status: casos arquivados

Uma funcionária da Nike o acusou de forçá-la a fazer sexo oral em um hotel de Nova York. O caso, de 2016, só veio à tona em 2021, quando a marca justificou o fim do contrato com o astro, pois Neymar não teria colaborado com as investigações. Em 2019, a Justiça brasileira concluiu que a modelo Nájila Trindade mentiu ao denunciar estupro em um hotel de Paris.

O episódio aconteceu em 30 de dezembro de 2022. A mulher contou ter sido levada ao camarote de Alves a convite de um atendente da casa. No local, o jogador passou a cortejá-la, sem sucesso. Depois, ainda segundo o depoimento, ele pôs repetidamente a mão da moça em seu órgão e a levou para o banheiro, onde lhe deu tapas, forçou sexo oral e depois a estuprou. As câmeras de segurança comprovaram que os dois permaneceram quinze minutos no banheiro.

O jogador deu três versões para o que teria acontecido. A um canal de TV, Alves, que é casado com a modelo espanhola Joana Sanz, disse desconhecer a denunciante. Já no tribunal, primeiro alegou que foi a jovem quem invadiu o banheiro onde ele estava e tentou seduzi-lo. Por fim, admitiu a relação carnal, mas garantiu se tratar de um ato “consensual”. Entre as idas e vindas do relato, o atleta afirmou que estava sentado no vaso sanitário quando a moça teria se jogado sobre ele. Em seu depoimento, no entanto, a denunciante descrevera a meia-lua. Alves, ao saber da informação, se desdisse novamente: ele teria se levantado e, por isso, a tatuagem tornara-se visível. A troca de narrativas e o risco de fuga para o Brasil motivaram a juíza Maria Concepción Canton Martín a decretar a prisão preventiva.

Bruno Fernandes
Ano: 2010
Acusações: homicídio triplamente qualificado, sequestro e ocultação de cadáver
Status: condenado

O então goleiro do Flamengo foi condenado a vinte anos e nove meses de prisão pela participação no assassinato de Elisa Samúdio, mãe de um de seus filhos, em um dos casos mais famosos de feminicídio do país. Em 2019, ele obteve progressão de pena para regime semiaberto e desde então chegou a passar brevemente por diversos clubes pequenos do país.

Entre os ídolos globais do esporte, essa é a detenção mais ruidosa desde que o pugilista americano Mike Tyson foi condenado a seis anos de prisão pelo estupro da modelo Desiree Washington, em 1992 — agora, ele enfrenta outra denúncia, feita por uma mulher que diz ter sido estuprada pelo boxeador no início dos anos 1990. O caso mais semelhante ao de Alves é o de seu amigo Robinho, condenado pela Justiça italiana por participar de um estupro coletivo. Aposentado forçadamente, com 39 anos, ele segue jogando seu futevôlei nas praias de Santos, em São Paulo, pois o Brasil não extradita seus cidadãos. Recentemente, no entanto, o ministro da Justiça, Flávio Dino, cogitou a possibilidade de Robinho cumprir sua pena no Brasil.

Cristiano Ronaldo
Ano: 2009
Acusação: estupro
Status: caso arquivado

A modelo americana Kathryn Mayorga denunciou ter sido abusada pelo astro português em Las Vegas. Ela já havia recebido 375 000 dólares em acordo para retirar as acusações, mas cobrou nova indenização anos depois. Em 2022, a Justiça dos EUA arquivou o caso por considerar que houve má-fé e violação do processo.

Um debate se impõe diante de casos inaceitáveis: o que leva boleiros consagrados a se envolver em tantas confusões e, eventualmente, em crimes? Robinho, por sinal, é reincidente. Em 2009, estampou uma capa de VEJA com o questionamento: “Por que eles não crescem?”. A reportagem foi motivada por uma denúncia de agressão sexual contra o ex-jogador feita por uma inglesa que acabou engavetada. Na verdade, há um denominador comum entre as histórias. Em geral, os envolvidos são jovens de origem humilde, com pouca instrução e que, de uma hora para a outra, passam a ganhar fortunas. As circunstâncias criam um mundo ilusório feito de facilidades, tentações e uma sensação despropositada de poder.

Ryan Giggs
Ano: 2020
Acusação: violência doméstica
Status: aguarda julgamento em liberdade condicional

O ex-atacante inglês foi acusado de agredir sua ex-namorada e a irmã dela com cabeçadas e cotoveladas. Ele nega. Giggs chegou a ser preso e solto posteriormente após pagar fiança. O primeiro julgamento foi inconclusivo e um novo está marcado para julho deste ano.

É o ambiente perfeito para comportamentos desprovidos de freios éticos alimentados por narcisismo. Apropriar-se do corpo de uma mulher, nesse raciocínio perverso, passa a ser um direito. “A lógica da violência contra a mulher está muito pautada na objetificação do corpo feminino e na dominação”, diz Mayra Cardozo, advogada especialista em violência de gênero. “Quanto mais fama e dinheiro, o limite do que pode ou não pode tende a ser mais banalizado.” No futebol, contam ainda a força do machismo e da misoginia, ainda muito presentes. Criminosos que habitam esse universo tendem a achar, também, que estão acima da lei. “Muitas vezes, pessoas abusam de seu poder econômico, cargo e posição social como se isso fosse um obstáculo à aplicação da lei”, diz Gabriela Manssur, advogada e ex-promotora de Justiça. No caso de Alves, houve um fator decisivo para a tomada de medidas. A boate em questão cumpriu à risca o protocolo de atuação em denúncias do tipo.

Ou seja, prontamente avisou as autoridades responsáveis e facilitou o acesso a filmagens e testemunhas. A vítima foi imediatamente levada a um hospital de referência, onde foi produzido um laudo médico constatando lesões compatíveis com a denúncia, além de restos de líquido seminal. A câmera acoplada ao uniforme do primeiro policial a atendê-la ainda ajudou a provar a consistência de seu discurso.

Karim Benzema
Ano: 2010
Acusação: prostituição de menor
Status: caso arquivado

O astro francês do Real Madrid e seu então colega de seleção Franck Ribéry foram acusados de solicitar os serviços de Zahia Dehar, uma garota de programa que à época tinha apenas 16 anos. Benzema negou ter tido relações sexuais, enquanto Ribéry alegou que não sabia que a jovem era menor de idade. Ambos acabaram absolvidos.

A Espanha é um dos países mais avançados no combate à violência sexual. No ano passado, passou a vigorar por lá uma lei, chamada popularmente de “Só sim é sim”, com novas definições sobre o que configura a permissão da mulher. O trecho principal da legislação afirma que “só se entenderá que há consentimento quando este tiver sido livremente expresso por meio de atos que, diante das circunstâncias do caso, expressem claramente a vontade da pessoa”. Ou seja, uma agressão sexual não implica necessariamente uso da força ou resistência da vítima, pois sua passividade pode ser condicionada por intimidação ou ingestão de álcool e drogas. A mudança é um divisor de águas. “Ela regulamenta um paradigma que pode servir de inspiração para muitos países”, diz o advogado Alamiro Velludo Salvador Netto, da Universidade de São Paulo.

Nesta semana, Alves contratou outro defensor, o renomado Cristóbal Martell, que já defendeu Lionel Messi e o Barcelona em casos de natureza tributária. Até a quarta-feira 25, ele preparava um recurso pedindo que o atleta respondesse em liberdade. Se condenado, o jogador pode pegar até doze anos de prisão. Mais do que isso, pode atestar a chegada de um tempo em que, definitivamente, numa relação, não é não e só sim é sim.

Publicado em VEJA de 1º de fevereiro de 2023, edição nº 2826

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